O vinho vibra, é elástico, possui amplitude, às vezes desdenha , às vezes é irônico, cínico, simpático, poético, ressoa em cada taça, em cada garrafa, se expressa na arte. O que tem por trás disso? O homem? O terroir? O vinho não se faz sozinho. Ele tem relação direta com quem o faz. Cada vinhateiro imprime sua personalidade de forma livre, e quando está imerso em plena comunhão com o ofício, não passa pela sua cabeça o avassalador monstro chamado mercado. Para ele o vinho é sagrado e não se traduz em expressões como custo-benefício, posicionamento, competitividade e afins. No momento mágico da transformação das uvas, o enólogo está parindo o vinho, se auto-parindo. Jonathan Nossiter, no livro Gosto e Poder, questiona: “ (...) é preciso escolher entre autor e terroir? Não, pois os dois são necessários. O homem sem contexto cultural está perdido; e toda cultura, sem expressão individual está morta.” Profundo e simples. O homem é indissociável de sua obra. Ao beber o vinho de um vinicultor, não se consome apenas uma marca mas torna-se parte da vida deste ser, que ao deitar as uvas no lagar, prolonga as veias da terra para que o vinho expresse a essência da existência. Nas minhas últimas andanças pelo Brasil ficou bastante claro que quem sabe trabalhar com vinho, necessariamente é um apaixonado e percebe de maneira verdadeira o que foi escrito acima. É imprescindível que se conheça profundamente o vinhateiro. Só assim se saberá vender um vinho. Raramente pessoas que se focam apenas em vendas e não entendem a alma deste elixir, constroem carreira nesta área, ou se o fazem, a exercem com extremo desconforto, fadados ao fracasso ou a uma úlcera eterna. O outono começa. Para mim, a mais linda estação; a luz do outono me basta junto com a impagável sensação dos primeiros frios. O vinho novo já começa a limpar. E a vida avisa que amar é urgente. Dedico este texto a três vinhateiros que, assim como eu, fazem aniversário nesta estação. A Werner Schumacher que fez um dos mais instigantes vinhos tintos que já bebi, na Quinta Ribeiro de Matos; a Álvaro Escher amigo inseparável que empresta sua genialidade aos vinhos da Era dos Ventos, e ao meu jovem e fiel escudeiro na Vallontano, Fernando Andreazza. Nós, os vinhateiros nascidos no outono, acolhemos a nova estação, sedentos de poesia e, claro, de muito vinho.

Foto: Talise Valduga Zanini